O MPLA e o medo da mudança que Portugal vive. Perto do fim, a análise de Rui Verde

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Primeiro, um aplauso: o secretário para a Reforma do Estado, Administração Pública e Autarquias do MPLA, Mário Pinto de Andrade, pronunciou-se de forma assertiva e incisiva sobre as eleições de domingo passado em Portugal. Isso é bom, porque o cruzamento de críticas e opiniões entre os dois países fortalece a evolução das respectivas democracias, e abrir as janelas e deixar entrar outros ventos é sempre refrescante.

Depois, o conteúdo: segundo a Lusa, Mário Pinto de Andrade “lamentou a derrota do Partido Socialista (PS)” e considerou os resultados das legislativas de domingo “um retrocesso para a democracia portuguesa”.

Aparentemente, o dirigente do MPLA considera que a derrocada do PS português é um retrocesso para a democracia portuguesa, referindo que se trata de um partido fundador dessa democracia. Não há dúvida de que os socialistas portugueses são um partido fundador da democracia portuguesa. Contudo, o facto é que essa qualidade não lhes dá qualquer direito histórico a ganhar eleições ou sequer a existir como força política significativa. Nem a eles, nem a ninguém. Numa democracia, os partidos subsistem pelo voto popular. Se as pessoas votam neles, permanecem; se não votam, desaparecem. A história está cheia de partidos fundadores que desapareceram nas suas brumas.

O Partido Federalista, por exemplo, foi fundamental na formação dos Estados Unidos como nação, ao defender um governo central forte, uma interpretação ampla da Constituição e uma economia baseada na indústria e no comércio. Os seus membros mais famosos foram Alexander Hamilton, John Adams e John Jay, que ajudaram a moldar políticas que reforçaram o governo federal e estabeleceram as bases para o sistema financeiro do país. Mesmo o primeiro presidente americano, George Washington, não sendo filiado no partido, era-lhe próximo. E, no entanto, o partido extinguiu-se na década de 1820.

Mais recentemente, o próprio Partido Socialista francês, grande inspirador do Partido Socialista de Portugal, quase desapareceu, passando de eleger presidentes da República, a meramente formar alianças derrotadas com partidos extremistas. Algo que pode bem acontecer ao PS em Portugal.

Não há direitos históricos em democracia. Entende-se que não seja essa a perspectiva do MPLA, que verdadeiramente se vê perante a mesma realidade. Uma realidade em que a história já não serve para justificar a sua manutenção no poder, e em que a recusa em proceder a um amplo momento de refundação o leva a um declínio que não tem conseguido ultrapassar.

A questão que se coloca ao PS português não é muito diferente da que se coloca ao MPLA angolano. Os tempos mudaram. As populações estão insatisfeitas, procuram algo diferente daquilo que lhes deram nos últimos cinquenta anos e, se os partidos históricos não lhes dão isso, vão procurar outros.

Pinto de Andrade também lamentou que “a direita é que ganhou, em detrimento de outras forças democráticas”. Presume-se que esse queixume não se refira propriamente à AD, de que o PSD faz parte. É que, pelo menos desde Cavaco Silva, e com especial ênfase sob a direcção de Durão Barroso, o PSD português sempre foi amigo do MPLA, possivelmente mais do que o próprio PS, cujo líder, Mário Soares, e depois o seu filho, João Soares, foram apoiantes da UNITA. É verdade que o MPLA é parceiro do PS na Internacional Socialista, o que lança alguma confusão nas relações interpartidárias entre Angola e Portugal: o MPLA parece mais próximo do PSD, mas está filiado na mesma Internacional do PS. Possivelmente, o MPLA é próximo dos dois (PS e PSD), o que demonstra a desideologização dos três partidos…

 

Com toda a probabilidade, o secretário do MPLA estaria a referir-se à subida do Chega. Essa subida tem levantado muita polémica em Portugal, mas o certo é que este é já o terceiro maior partido português, agora com o mesmo número de deputados que o PS (58 cada), e a manifestação mais clara do mal-estar com os cinquenta anos passados.

Em Portugal, o poder estabelecido não sabe como lidar com o Chega. Não tem fundamentos para o proibir – e nem que os tivesse o conseguiria –, mas vai fingindo que o Chega não existe até aos momentos eleitorais, nos quais esse partido tem subido sempre, ao ponto de poder agora pensar em tomar o poder por via eleitoral num futuro não muito longínquo.

Neste momento, não se percebe muito bem de que modo o actual líder do PSD e primeiro-ministro, Luís Montenegro, pensa que, tendo obtido menos de um terço dos votos (32.1%) tem mandato suficiente ou possibilidade de governar sozinho. A verdade é que não tem. E bem melhor seria que o primeiro-ministro português percebesse isso e entrasse em negociações, eventualmente imitando o modelo alemão (CDU+SPD, ou seja, PS+PSD), para garantir uma coligação estável como se faz no resto da Europa.

Contudo, estas dificuldades – a descida do PS ou a subida do Chega – não representam uma democracia em retrocesso. Representam uma população descontente a que os políticos não estão a saber dar respostas.

Obviamente, em Angola passa-se o mesmo, e daí provém a assertividade do secretário do MPLA. Torna-se evidente que se está a fechar um ciclo de cinquenta anos. Pode fechar-se mais tarde ou mais cedo, mas o certo é que está a fechar-se. O MPLA vive sobressaltado, sem nunca chegar verdadeiramente às causas dos problemas. É uma espécie de mão fechada com areia lá dentro, que se vai escapando entre os dedos, sem haver maneira de estancar esse escoamento. O MPLA tem à disposição mais dois anos para refundar o partido e abandonar o pensamento mágico de que o MPLA vai ganhar sempre as eleições. É que não vai.

Fonte: Maka Angola 

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