Faz hoje exatamente dez anos que um punhado de livros, um punhado de ideias e um punhado de jovens provocaram um terremoto político em Angola. Era o dia 20 de Junho de 2015, quando a Polícia Nacional invadiu uma modesta reunião na Vila Alice e prendeu 13 jovens — os futuros “15+2” — acusando-os de preparar um golpe de Estado. A arma do crime? O livro Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp, adaptado à realidade angolana.
Não havia metralhadoras, nem planos secretos com mapas militares. Havia sim, mentes inquietas, corpos indignados e um plano utópico de mudar o país sem violência, apenas com ideias, resistência cívica e mobilização popular. O regime do MPLA, desconfortável com a simples possibilidade de um pensamento livre, lançou sobre esses jovens toda a brutalidade de um sistema que, até hoje, teme mais o pensamento do que a pólvora.
O caso 15+2 não foi apenas uma repressão exemplar. Foi um divisor de águas. Mobilizou uma geração, despertou consciências, encorajou novos movimentos sociais e fez emergir formas criativas de luta e associativismo em meio ao autoritarismo. Jovens anónimos tornaram-se rostos públicos; ruas silenciosas tornaram-se palcos de resistência; e um país anestesiado viu nascer um novo léxico: desobediência, cidadania, coragem.
Hoje, passados dez anos, a pergunta ressoa: onde estão os jovens do 15+2?
A resposta é múltipla, complexa, e nem sempre feliz. Muitos foram cooptados — absorvidos pela máquina do sistema que antes combatiam. Outros, exaustos, desistiram. Alguns partiram, levando consigo a esperança de um país que ainda os persegue mesmo à distância. Mas há os que resistem. Ainda há aqueles que não se renderam ao cansaço nem à sedução do poder. Continuam nas trincheiras do activismo, da arte, da denúncia e da mobilização — mesmo que com menos câmaras, menos likes, menos apoios.
Enquanto isso, os retrocessos em matéria de direitos e liberdades fundamentais em Angola gritam. A repressão sofisticou-se, mas não desapareceu. A censura agora veste gravata e assina despachos institucionais. O medo continua a ser distribuído em raptos, prisões arbitrárias e silêncios impostos. Mas o espírito de Junho de 2015 ainda sobrevive.
Para muitos defensores dos direitos humanos, o 20 de Junho tornou-se o Dia da Liberdade. Uma liberdade ainda por conquistar, mas já impossível de apagar. Uma liberdade sonhada, escrita, sussurrada nas celas da cadeia de Calomboloca,Kaquila, Comarca de Viana, Hospital Prisão de São Paulo, Kaboxa e CCL, partilhada em páginas de Facebook, em versos de spoken word e nos olhares atentos de uma juventude que já não aceita ser massa de manobra.
A memória do 15+2 não é apenas um episódio repressivo. É um monumento de coragem num país que insiste em fabricar heróis pelo sofrimento. Hoje, não se trata apenas de recordar. Trata-se de escolher: entre a comodidade da indiferença ou o desconforto da consciência. Dez anos depois, a pergunta verdadeira não é apenas “onde estão os jovens do 15+2?”, mas sim: onde estamos nós?
Continuamos a ler Gene Sharp em segredo ou já somos capazes de escrever a nossa própria versão da democracia angolana?
Viva o 20 de Junho. Viva a Liberdade que resiste.