Desprezada pelos Estados Unidos, rejeitada pela Rússia e com uma China que deseja vê-la enfraquecida, a Europa encontra-se numa encruzilhada. É certo que ainda é um gigante económico, mas perdido no labirinto das suas próprias contradições, dos impasses sucessivos, dos inevitáveis compromissos entre a sua agenda global e os interesses específicos dos seus Estados-membros, o que tem contribuído para o seu menor peso geo-político.
Entrevista de Paulo Dentinho a Emmanuel Macron
A brutalidade das novas dinâmicas de poder a surgir nos escombros da guerra na Ucrânia expuseram o que não era mais do que uma ilusão, a de que apenas o comércio e os valores democráticos bastariam para garantir estabilidade e… influência.
Ironia ou destino, Europa era o nome de uma princesa da mitologia grega, raptada e violentada por Zeus. Uma alegoria trágica num continente onde a violência marcou toda a História, foi mesmo o palco principal de duas Guerras Mundiais.
A devastação e o horror atingiu o cume nesse segundo conflito, mas é nele que se funda o sonho europeu, um projeto de paz baseado na reconciliação e na partilha de soberania.
Se a construção desse projeto foi sempre feita com tensões, crises e contradições, ele foi sempre prosseguindo, numa teimosia constante desde a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço até à União Europeia.
A cada etapa, a cada nova crise, a unidade entre os europeus respondeu criando novas oportunidades, mas abrindo também outras incertezas. A queda do bloco soviético, por exemplo. A euforia do alargamento acabou por criar um mosaico de interesses difíceis, por vezes, de conciliar.
E já neste século, os desafios sucederam-se a tal ritmo que expuseram as fragilidades da União Europeia. Foi a crise financeira e as políticas de austeridade, o Brexit, a crise migratória, a pandemia, a guerra na Ucrânia.
É este conflito aquele que mais espelha a incapacidade de agir de forma autónoma e decisiva.
Live com com Venâncio Mondlane

Se houve um reforço da ajuda militar a Kiev, um fortalecimento da NATO, a consciência da necessidade de investir mais na defesa, as hesitações em fornecer armamento pesado, as divisões internas sobre o apoio a Kiev e a dependência dos Estados Unidos mostraram a União como sendo incapaz de ser um ator geo-político independente.
A ascensão vertiginosa da China no grande jogo internacional, de que o seu protagonismo em África e na Ásia é exemplo, coloca outro dilema à Europa. Pequim tem hoje uma rede global de influência através de investimentos e empréstimos, sem que a União Europeia esteja a conseguir igualar com o seu Global Gateway as Novas Rotas da Seda chinesas. Em África, os golpes de Estado sucessivos na região do Sahel são ainda um lembrete de que a Europa já não pode dar como garantida a sua posição no mundo. Os novos senhores no poder viraram-se para novos “amigos”, a Rússia e os seus mercenários.
E aos desafios externos somam-se outros, internos e ainda mais preocupantes. A extrema-direita, outrora marginal, é agora não neglegenciável. Da Itália aos Países Baixos, da França à Alemanha, o euroceticismo e a narrativa soberanista e nacionalista ganha terreno. O seu combustível eleitoral é o medo da imigração, a crise económica e a desconfiança nas elites. E algumas dessas forças já não rejeitam abertamente a União Europeia, optam pela estratégia subtil de a minar por dentro. Moscovo, e agora Washington, aplaudem. Basta ouvir o discurso de JD Vance na Conferência de Munique, ou recordar as relações entre Putin e vários dirigentes dessa galáxia política europeia antes da invasão russa da Ucrânia.
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A erosão do Estado de direito nalguns países europeus tem sido um outro sinal de alerta, mas a resposta tem sido tímida. E se ceder ao populismo e ao autoritarismo, a União perderá a sua identidade e a sua razão de existir.
A União Europeia está, pois, numa encruzilhada, num mundo dominado pelas grandes potências, China, Rússia e Estados Unidos. Exige líderes que compreendam que a unidade não pode ser apenas um ideal, que sem uma política externa forte e uma defesa comum, continuará dependente de outros. Mas exige também compromissos firmes com a justiça social e os direitos humanos capazes de resistir à maré populista.
O mundo está a mudar rapidamente. Se a União Europeia não acompanhar essa mudança, arrisca-se a ser reduzida a um parêntesis no museu da História, sem relevância geopolítica. Assim os europeus tenham a visão e a determinação em superar mais esta crise.